terça-feira, 10 de junho de 2008

Teoria Crítica do Esporte: origens, polêmicas, atualidade
Alexandre Fernandez Vaz (Universidade Federal de Santa Catarina)

Os anos 1960 viram surgir a Teoria Crítica do Esporte. Esse corpo teórico criticou o esporte por suas afinidades estruturais com o mundo do trabalho, sua dimensão reificadora e sua presença os esquemas da indústria cultural. As críticas a ela dirigidas apontam exageros, falta de material empírico, ideologização e não consideração do ponto de vista dos sujeitos/atores do esporte. O objetivo do presente trabalho foi analisar esse quadro. Para isso revisou as origens e teses que constituíram aquele movimento teórico, as críticas a ele dirigidas e sua possível atualidade. As críticas acertam, em parte, ao apontar o maniqueísmo da Teoria Crítica do Esporte, mas desconsideram os avanços por ela proporcionados, fundamentais para a compreensão do esporte-espetáculo. A possível atualidade da teoria pode ser encontrada com novas abordagens metodológicas e temáticas, na abertura para o diálogo com outras perspectivas e na articulação entre reflexão crítica e pesquisa empírica.

1. Introdução
Em 1969, em um dos ápices dos conflitos estudantis que em grande medida deram a forma dos anos sessenta, o filósofo Theodor W. Adorno, um dos mais importantes personagens da conhecida Escola de Frankfurt, foi perguntado se o mundo havia repentinamente ficado às avessas (Adorno 1997a). A pergunta não era fora de propósito, uma vez que Adorno acabara de suspender prematuramente seu seminário no semestre de verão na Universidade de Frankfurt por conta de manifestações de parte do movimento contracultural estudantil. Inusitada, ou talvez nem tanto, foi a resposta de Adorno. Para ele não havia assombro perante as manifestações estudantis, uma vez que o real já era mesmo eivado de contradições.
Os anos sessenta do século passado ficaram demarcados na história do breve século vinte como um período de importantes transformações sócio-culturais, fruto dos embates do sessenta e oito em vários países, entre eles a Guerra do Vietnã e as manifestações contra ela, e a Guerra Fria que teve naquela década o seu ápice com a crise dos mísseis em Cuba.
O esporte não esteve longe desse espectro. Ao contrário, foi uma das mais fortes expressões da Guerra Fria travada entre as duas superpotências de então, tanto de forma direta entre si, quanto indireta pelos países que compunham seus blocos de força. Muito em função dessa disputa, o treinamento desportivo desenvolveu-se de forma espantosa, levando os resultados a patamares não imaginados e também a um incremento maciço dos procedimentos de doping. Correspondente a esta tecnologização da performance foi a reprodução e disseminação das imagens esportivas, que possibilitaram às décadas posteriores o crescente investimento na transmissão em tempo real dos espetáculos esportivos.
É também na década de 1960 que se desenvolve, no contexto da Nova Esquerda, um movimento teórico nas Ciências Sociais que fiou conhecido como Teoria Crítica do Esporte. Nascido principalmente na Europa, mas presente também na América do Norte, tomou o esporte como tema de pesquisa, análise e reflexão, valendo-se de um aparato teórico da crítica da cultura e da economia política. Vários autores desse período e também da década seguinte ousaram fazer algo até certo ponto surpreendente: colocar em questão o esporte e suas possibilidades de aparecer como um elemento positivo do ponto de vista pedagógico e social.
Ao tomar as práticas esportivas como objeto de análise, aqueles autores não estavam fazendo algo propriamente novo, uma vez que pelo menos desde a década de vinte já se tinha, a partir do trabalho de Risse (1979), publicado pela primeira vez em 1921, uma preocupação no estudo do esporte como fenômeno social. Mas, de qualquer forma, o esporte e sua aura de "pureza" oriunda do ideal olímpico permaneciam quase inquestionáveis como fenômenos positivos para as sociedades modernas. A exceção ficara por conta de parte do movimento operário dos anos vinte e trinta e de ensaios esporádicos como o de Jürgen Habermas (1967), no qual o depois famoso criador da Teoria da ação comunicativa mostrava, nos anos 1950, as afinidades entre o esporte e o trabalho e, por meio delas, os limites e contradições do chamado "tempo livre". As contribuições de Habermas, aliás, foram muito importantes para o desenvolvimento da Teoria Crítica do Esporte.
Meu objetivo no presente texto é fazer alguns comentários sobre a Teoria Crítica do Esporte, retomando elementos de suas origens e desdobramentos, comentando alguns dos seus autores e as críticas que a eles foram endereçadas. Faço isso evidentemente privilegiando alguns recortes, uma vez que o tema é por demais amplo. Minhas opções se referem aos pontos centrais que caracterizam a Teoria Crítica do Esporte, as críticas que a ela foram dirigidas e seus possíveis desdobramentos atuais, tentando verificar o que está datado (e, portanto, superado) e o que porventura sobrevive e/ou se transforma nesse movimento teórico.
Começo minha exposição apresentando algumas teses do movimento, mas antes realizo uma rápida incursão nas diferenças entre ele e a posição do socialismo de caserna a respeito do esporte. Faço isso para demarcar uma posição fundamental da Nova Esquerda, que foi muito dura e pouco condescendente com o esporte e sua ideologia tal como foram praticado e difundida no Leste Europeu, na China, em Cuba e em outros países que compuseram o "socialismo real". Logo depois trato de algumas idéias centrais desse movimento teórico, expondo e discutindo a seguir algumas críticas que a ele foram dirigidas, tanto de um ponto de vista mais conservador, principalmente Hans Lenk, quanto de sociólogos figuracionais, sobretudo Eric Dunning, e teóricos da América do Norte, como Richard Grueneau. Por fim, procuro colocar alguns pontos que possam permitir um desdobramento conseqüente da Teoria Crítica do Esporte em nosso tempo.

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